Por ocasião do 23o Festival Mix Brasil, a Lanchonete.org e a Musagetes oferecem em parceria um programa de atividades centradas na relação entre queerness e a vida na cidade contemporânea.
O programa conta com quatro partes: uma sessão de cinema, um painel de discussão, uma caminhada pelo centro da cidade e uma conversa aberta.
Ele servirá para lançar um trabalho de seis meses sobre queerness e a vida na cidade contemporânea – de certa forma relacionado à ideia de direito à cidade, estabelecida pelo filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre –, envolvendo participantes locais (e internacionais) que atuam como artistas, ativistas, urbanistas, arquitetos, pesquisadores, pensadores e também pessoas com quem simplesmente compartilhamos a cidade.
Queerness é um termo bastante amplo e que certamente pode ser vinculado a uma série de políticas e realidades LGBT+, além de histórias, futuros e lugares. Dentro dos nossos objetivos, o programa de lançamento busca abrir uma discussão acerca de como vivemos, trabalhamos, compartilhamos e sobrevivemos na cidade contemporânea, tendo São Paulo como perspectiva. Assim, estamos igualmente interessados em reconhecer as bases comuns e entender contranarrativas. Ao final desse ciclo de seis meses, espera- mos apenas que a sugestão de um prisma queer seja capaz de incentivar discussões frutíferas e interrogações coletivas sobre como convivemos na cidade.
Carlos Motta (Colômbia) e Maya Mikdashi (Líbano) trazem como colaboração para o festival o filme Desejos / رغبات, um curta que expõe a maneira como medicina, legislação e religião moldam discursos de um corpo generificado. Depois da estreia do filme, Carlos e Maya concordaram que ele sugere um futuro queer positivo.
Como pensadores no sentido mais amplo do termo, con- vidamos Carlos e Maya a participar de um painel de discussão na sexta-feira, 20 de novembro, junto com o arte-educador e autor Ezio Rosa, e a ativista e agente pública Symmy Larrat para compartilhar experiências e abordar como o conceito de queerness (e talvez o conceito irmão de interseccionalidade) se relaciona com o direito à cidade… e o que podemos esperar de um futuro urbano queer.
E no sábado, dia 21 de novembro, acontecerá uma caminhada pelo Centro de São Paulo conduzida pelo ator Paulo Goya com participação da Rede Paulista de Educação Patrimonial (Repep) e convidados, buscando relembrar a história queer da região através de relatos pessoais de um morador de longa data.
sessão de filme
exibição de Desejos (32’) + Histórias de nossas vidas (60’) 14 de novembro às 18h e 20 de novembro às 16h @ Centro Cultural São Paulo (CCSP), Sala Paulo Emílio
Desejos / رغبات expõe a maneira como medicina, legislação e religião moldaram os discursos de um corpo generificado através da narração de duas histórias: a de Martina, que viveu na Colômbia no século xix e foi julgada por ser herma- frodita, e a de Nour, que viveu em Beirute durante o Império Otomano e foi forçada a se casar com o irmão da mulher que amava. Misturando documentário e ficção, o filme apresenta uma correspondência entre essas duas mulheres que en- frentaram as consequências de viver relações homoafetivas e desafiar as normas de gênero. Desejos / رغبات foi produzido pela House of Council.
painel cidade queer
com Carlos Motta, Maya Mikdashi, Ezio Rosa 20 de novembro às 18h @ Centro Cultural São Paulo (CCSP), Sala Paulo Emílio
A luta LGBT+ por reconhecimento legal e social é histórica. Em muitos momentos da história Ocidental se viu a falta de respaldo legal ao modo de vida das comunidades LGBT+, muitas vezes criminalizando formas de vida dentro de so- ciedades estruturadas hegemonicamente. A obra de Carlos
Motta e Maya Mikdashi, Desejos, faz uma transposição tem- poral e espacial de dois arranjos sociais em diferentes países que demonstram como o não-hegemônico era repreendido em uma vã tentativa de aniquilar o que era considerado como diferente, anormal, queer, em relação aos padrões do início do século xix. Uma na Colômbia e a outra em Istambul, essas personagens nos levam a questionar e perceber que, para o macrossistema, o ato de apenas ser poderia ser considerado como “antinatural” ou, ainda, “contra a natureza”.
O arcabouço jurídico para a definição de normas sociais e culturais é uma preocupação constante para os ativistas que tentam demonstrar quão natural é a vida das comunidades LGBT+. Desde a proibição jurídica de relacionamentos homo- afetivos, passando por considerar que a orientação sexual pudesse ser causada por uma doença, até definições do que seria uma família em estatutos federais que orientam políticas públicas sociais.
Aqui no Brasil, temos dois casos extremamente emble- máticos que puxam e reestruturam esses marcos legais que envolvem não só a questão de gêneros, mas também de liber- dades individuais. O primeiro é da trans* Indianara Siqueira, que durante a Marcha das Vadias, no Rio de Janeiro, foi julgada por ultraje público ao pudor por andar sem camiseta, com os peitos de fora, durante seu protesto “Meu Peito, Minha Ban- deira, Meu Direito”. A questão é que, por ser trans*, ela ainda é registrada pelos meios legais como sendo do sexo mascu- lino. E, culturalmente, os homens podem andar sem camisa nos espaços públicos sem nenhum problema. Então, cria-se
um impasse, como bem explica a ativista: “Se [a justiça] me condenar, estará reconhecendo legalmente que, socialmente, eu sou mulher e o que vale é minha identidade de gênero, e não o sexo declarado em meus documentos. Isso, então, criará jurisprudência para que todas xs pessoas trans* sejam respei- tadxs pela sua identidade de gênero e não pelo sexo declarado ao nascer. Se reconhecer que sou homem, como consta nos documentos, estará me dando o direito de caminhar com os seios desnudos em qualquer lugar público, onde homens assim o fazem, mas também estará dizendo que homens e mulheres não são iguais em direito”.
O segundo caso é a aprovação da Câmara dos Deputados para o texto do Estatuto da Família, que define família como apenas a união entre homem e mulher, excluindo grande parte da sociedade brasileira. Nesse caso, se a família só é gerada na união heteronormativa, o que dizer quando uma mulher trans* casa com um homem trans* e geram uma criança biológica?
Essa exclusão das discussões aprofundadas de gêneros em meios legais é histórica e reverbera até hoje em nossa sociedade cada vez mais conservadora. Mostrar os dilemas e contradições que essa ausência de debate provoca é um dos intuitos desta mesa.
On the occasion of the 23rd Annual Mix Brasil Festival – in partnership – Lanchonete.org and Musagetes bring a program of activities focused on the relationship between queerness and life in the contemporary city.
The program is in four parts: a film screening, a panel, a walk in the city center, and an open discussion.
It serves to launch a six-month inquiry on queerness and life in the contemporary city – something relatable to the idea of French philosopher and sociologist Henri Lefebvre of a Right to the City – that will engage local (and international) artists, activists, urban planners, architects, researchers, thinkers, and simply people with whom we share the city.
Queerness is a broad term, one that can certainly be linked to a range of LGBT+ politics and realities, as well as histories, futures and places. For our purposes, the launch program seeks to open a discussion on how we live and work in, share and survive the contemporary city, with São Paulo as our outlook. We are therefore equally interested in acknowledging common ground and understanding counter narratives. By the end of the six-month cycle, we only hope
that suggesting a lens of queerness will have encouraged fruitful discussions and joint interrogation of how we share the city.
Carlos Motta (Colombia) and Maya Mikdashi (Lebanon) bring their film collaboration, Deseos /رغبات to the festival, a short that exposes ways in which medicine, law and religion shape discourses of the gendered body. After the film’s debut, Carlos and Maya agreed in conversation that the film suggests a positive queer future.
As broad thinkers, we invite Carlos and Maya to join a panel discussion Friday, November 20th, with art-educator/ author Ezio Rosa and activist/public official Symmy Larrat to share experiences and consider how queerness (and perhaps a sister word, intersectionality) relates to a Right to the City… and what a queer urban future might look like.
And, on Saturday, November 21st, there will be a walk
in the Center of São Paulo led by the actor Paulo Goya and with the participation of the São Paulo Network of Heritage Education (Repep) and invitees, with a goal of remembering the queer history of the area through the personal account of a longtime denizen.
film screening
screening of Deseos (32’) + Stories of Our Lives (60’) November 14th, 6pm / November 20th, 4pm
@ Centro Cultural São Paulo (CCSP), Paulo Emilio Theatre
Deseos /رغبات exposes the ways in which medicine, law and religion shaped discourses of the gendered body through the narration of two stories: Martina’s, who lived in Colombia in the 19th century and was prosecuted for being a hermaph- rodite, and Nour’s, who lived in Beirut during the Ottoman Empire and was forced to marry to her female lover’s brother. Part documentary and part fiction, the film presents a cor- respondence between two women who faced the conse- quences of engaging in same sex relations and defying gender norms. Deseos / رغبات was produced by House of Council.
queer city panel discussion
w/ Carlos Motta, Maya Mikdashi, Ezio Rosa & Symmy Larrat
November 20th, 6pm @ Centro Cultural São Paulo (CCSP), Paulo Emilio Theatre
The LGBT+ fight for both legal and social acknowledgement is a historical one. In several moments of the Western history, we observe a lack of legal support to the modus vivendi of such communities, often criminalizing such lifestyles within hegemonically structured societies. Deseos / رغبات , the film by Carlos Motta and Maya Mikdashi, works over a time-
space transposition of two social arrangements in different countries, thus depicting how nonhegemonic situations used to be reprehended in a vain attempt to annihilate what was then considered different, abnormal, queer, regarding the standards of the 19th century. One from Colombia and the other from Istanbul, these two characters lead us to question and realize that, for the macrosystem, the simple act of being could be envisaged as “unnatural” or even “against nature.”
The legal structure that defines the social and cultural norms is subject of constant concern to activists attempting to demonstrate how natural the life of LGBT+ communities can be. Starting from the legal ban on same sex relations and going through the notion that the the sexual orientation could be caused by a disease, until reaching the definitions of what is a family for federal statutes orienting social public policies.
Here in Brazil, we have two extremely emblematic cases that strain and restructure such legal touchstones regard- ing not only the gender issue, but also that of individual freedoms. The first one is the situation of Indianara Siqueira, a trans* that, during the Slut Walk in Rio de Janeiro, was prose- cuted for public outrage against decency simply for marching shirtless, breasts exposed, on her protest “My Breasts, My Flag, My Right.” The issue is that, for being trans*, she is still legally acknowledged as male. And culturally, men can walk around shirtless in public spaces without problems. It then creates a stalemate, as the activist well puts it: “If they [the court] want to condemn me, they’ll be legally acknowledging that, socially, I am a woman, and that what counts is my
gender identity, rather than the gender stated on my docu- ments. Such situation will then establish a jurisprudence for trans* people to be respected for their gender identity, and not for the sex they were born with. On the other hand, by acknowledging I am a man, as my documents affirm, they’ll give me the right to walk around with my breasts exposed in public spaces just as men do, but will also state that men and women have no equality of rights.”
The second case is the approval of the Family Statute at the House of Representatives, which defines family as the union of a man and a woman, period, thus setting aside most of the Brazilian society. In this case, if a family can only exist under heteronormativity, what to say when a trans* woman marries a trans* man and they give birth to a biological child?
Such exclusion of a thorough gender discussion on the legal spheres has a historical character and echoes yet today in our increasingly conservative society. To bring to surface the dilemmas and contradictions ensuing from this lack of debate is one of the goals of this panel.