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Dar a um programa de atividades o nome de Cidade Queer se anuncia como uma ocasião para admitir que não definimos o que é queer ou para imaginar que isso signifique uma coisa só e, então, perguntar abertamente como um futuro urbano queer pode vir a ser ou parecer? José Esteban Muñoz começa seu livro Cruising Utopia: The Then and There of Queer Futurity [A utopia cruising: o momento imediato da futuridade queer], de 2009, com os seguintes termos: “Queerness é uma aspiração rumo ao futuro. Ser queer é imaginar melhores futuros possíveis”.

Queerness é um termo amplo e que certamente pode ser vinculado a uma série de políticas e realidades LGBT+, e também a diferentes histórias, futuros e lugares. Dentro dos nossos objetivos, a Cidade Queer inicia a discussão de como vivemos e trabalhamos, compartilhamos e sobrevivemos na cidade contemporânea, tendo São Paulo como panorama. Assim, estamos igualmente interessados em reconhecer as bases comuns e entender contranarrativas. No texto “Queer Ecology: Nature, Sexuality and Heterotopic Alliances” [“Ecologia queer: natureza, sexualidade e alianças heterotópicas”], Matthew Gandy compartilha a visão de Aaron Betsky, historiador da arquitetura, que afirma que o “espaço queer é um ‘espaço de diferença’, uma arena para dúvidas, autocrítica e para a ‘possibilidade de liberação’”.

Esse ponto de partida faz sentido para um programa que surgiu da parceria entre a Lanchonete.org e a Musagetes, através de sua plataforma online ArtsEverywhere.

A Lanchonete.org é uma plataforma cultural tocada por artistas que toma emprestado o nome dos onipresentes balcões das lanchonetes — pontos de comércio amigáveis, sem barreiras, laboriosos e com suas luzes brancas — que ocupam todas as esquinas da cidade. São quase trinta pessoas participando do projeto, entre artistas, arquitetos, urbanistas, professores, estudantes, ativistas, integrantes dos movimentos de moradia, jardineiros, jornalistas e outros, e esse número não para de crescer.

A Musagetes é uma organização filantrópica canadense que trabalha em cidades do mundo todo para fazer com que a arte assuma um papel mais central e significativo nas vidas das pessoas e em suas comunidades. Isso se dá através do desenvolvimento de plataformas e projetos artísticos que experimentam maneiras pelas quais a arte pode se relacionar com o mundo que nos cerca e também criticá-lo. O site ArtsEverywhere é uma das formas de trabalho da Musagetes.

A Lanchonete.org e a Musagetes se relacionam com o conceito de “direito à cidade”, cunhado pelo filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre, que fala da “demanda por um acesso transformado e renovado à vida urbana”. Nosso objetivo é que pessoas das mais diferentes etapas da vida se sintam confortáveis em participar da iniciativa Cidade Queer.

 

Um pouco sobre como a Cidade Queer veio ao mundo:

Em novembro de 2015, a Lanchonete.org e a Musagetes planejaram uma semana de atividades em colaboração com o 23° Festival MixBrasil para instigar uma discussão aberta centrada na relação entre queerness e a vida na cidade contemporânea, que incluía uma sessão de cinema, um painel de discussão, uma caminhada pelo centro da cidade e uma conversa aberta.

Carlos Motta (Colômbia) e Maya Mikdashi (Líbano) exibiram o curta Desejos, dirigido por ambos e que expõe as maneiras como a medicina, as legislações e a religião moldam discursos do corpo genderizado. Depois da exibição, houve um painel de discussão ao qual se juntou Ezio Rosa, arte-educador e autor de Bicha Nagô, acrescentando suas experiências relacionadas a como viver e trabalhar na periferia de São Paulo. Por fim, no sábado, 21 de novembro, houve uma caminhada pelo centro de São Paulo, conduzida pelo ator Paulo Goya e por Thiago Carrapatoso (representando a Repep, Rede Paulista de Educação Patrimonial), com o objetivo de relembrar a história queer da região através dos relatos pessoais de um morador de longa data da região. A caminhada se encerrou no .Aurora, onde aconteceu uma discussão sobre os futuros dessa ideia. A partir daí, um programa de duração de um ano começou a ganhar forma. Durante o programa de 2016, continuaremos nos envolvendo com aqueles com quem compartilhamos a cidade – pessoas queer e seus aliados.

Outro projeto que faz parte da Cidade Queer se chama “Janta: comida queer / política queer”, um jantar mensal na casa de Paulo Goya, o Casarão do Belvedere. Depois de conduzir a caminhada em novembro do ano passado — e observar que existe sim interesse em rememorar a história queer da cidade juntos, ao mesmo tempo em que tomamos parte em seu futuro —, ele e Thiago Carrapatoso propuseram uma série de jantares para simplesmente fazer isso. Em linhas breves, a ideia da Janta é “estar em casa” junto com uma comunidade e apreciar a companhia uns dos outros cercado de boa comida… e de debates acalorados! A Janta serve de trampolim para uma série de projetos dos mais diversos portes dentro da iniciativa Cidade Queer.

Acreditamos que, ao final do programa e com o olhar queer afiado, teremos incentivado discussões frutíferas e questionamentos coletivos de como compartilhamos a cidade. Na verdade, será produzida também uma publicação Cidade Queer, fruto da parceria entre o Publication Studio São Paulo e o .Aurora, com o intuito de contextualizar essas discussões queer que vêm sendo pensadas no mundo todo. A publicação tem previsão de lançamento para março de 2017.

Além disso, o eixo principal de atividades da Lanchonete.org ajuda a informar sobre a iniciativa Cidade Queer e vice-versa. Essas atividades incluem receber algumas pessoas: um fotojornalista haitiano para documentar a crescente comunidade do país que vem se instalando no Brasil; a artista zimbabuana Lucia Nhamo, que recebeu o prêmio do júri dos Encontros de Bamako (concedido a uma artista cujo trabalho dê voz e/ou desafie as perspectivas relacionadas às migrações africanas contemporâneas) para uma residência de dois meses voltada à pesquisa de levas migratórias atuais e antigas em São Paulo e Salvador, respectivamente; e o artista guatemalteca Edgar Calel, de origem indígena maia, em colaboração com a Lastro Arte. Sem deixar de lado, é claro, a colaboração com o Centro Cultural da Ocupação São João.

Naming a program Queer City is an occasion to both admit that we don’t define queer or imagine that it means only one thing and to openly ask what a queer urban future might look/feel like? José Esteban Muñoz begins his book, Cruising Utopia: The Then and There of Queer Futurity (2009), with these words: “Queerness is an aspiration toward the future. To be queer is to imagine better possible futures.”

Queerness is a broad term, one that can certainly be linked to a range of LGBT+ politics and realities, as well as histories, futures and places. For our purposes, Queer City opens a discussion on how we live and work in, share and survive the contemporary city, with São Paulo as our outlook. We are therefore equally interested in acknowledging common ground and understanding counter narratives. In “Queer Ecology: Nature, Sexuality and Heterotopic Alliances,” Matthew Gandy shares the view of architectural historian Aaron Betsky that the “queer space is ‘a space of difference’, an arena of doubt, self-criticism, and “the possibility of liberation.”

This makes sense for a program that came out of a partnership between Lanchonete.org and Musagetes, via its ArtsEverywhere online platform.

Lanchonete.org is an artist-led cultural platform that gets its name from the ubiquitous lunch counters — convivial, fluorescent-lit, open-walled, laborious, points of commerce — that populate almost every street corner. There are approximately 30 people who participate in Lanchonete.org — artists, architects, urban planners, professors, students, activists, members of the housing movement, gardeners, journalists, etc. — and it is still growing.

Musagetes is a Canadian philanthropic organization that works in cities globally to make the arts more central and meaningful in peoples’ lives and their communities. It does this by developing artistic projects and platforms in which to experiment with how the arts relate to and critique the world around us. The ArtsEverywhere website is one form of Musagetes’ work.

Lanchonete.org and Musagetes relate to French philosopher and sociologist Henri Lefebvre’s “Right to the City,” or one that asserts, in his own words, a “ . . . demand [for] a transformed and renewed access to urban life.” We want people from all walks of life to feel comfortable participating in Queer City.

 

Here’s how Queer City came to be:

In November 2015, Lanchonete.org and Musagetes planned a weeklong series of activities in collaboration with the 23rd Annual Mix Brasil Festival to provoke an open discussion focused on the relationship between queerness and life in the contemporary city, including a film screening, a panel, a walk in the city center, and an open discussion.

Photo by Mayra AzziPhoto by Mayra Azzi

Carlos Motta (Colombia) and Maya Mikdashi (Lebanon) screened their short film collaboration, Deseos, which exposes ways by which medicine, law and religion shape discourses of the gendered body. After the screening, they were joined in a panel discussion by Ezio Rosa, the art-educator and author behind Bicha Nagô, who added his experiences on living and making work in the periphery of São Paulo. And finally, on Saturday, November 21st, there was a walk in the Center of São Paulo, led by the actor Paulo Goya and Thiago Carrapatoso (with the participation of the São Paulo Network of Heritage Education [Repep]), with the goal of remembering the queer history of the area through the personal account of a longtime denizen. We ended the walk at .Aurora and had an open discussion about the future of the idea. From there, a year-long program began to take shape. During the 2016 program, we will continue to engage those with whom we share the city — queer people and their allies.

One of the projects within Queer City is called “Janta: Queer Food/Queer Politics”, a monthly dinner at the home of Paulo Goya, Casarão do Belvedere. After leading the walk last November — and seeing how much interest there is in ‘remembering’ the city’s queer history together while taking part in its future — he and Thiago Carrapatoso proposed a regular dinner to do just that. En brev, the idea of Janta is being at home with a community and enjoying each other’s company over good food . . . and fierce debate! Janta serves as a trampoline for a range of projects of all sizes within the Queer City initiative.

By the end of the program, we believe that using a lens of queerness will have encouraged fruitful discussions and joint interrogation of how we share the city. In fact, The Queer City Reader, a collaboration with Publication Studio São Paulo and .Aurora will attempt to contextualize these discussions in relation to queer thought from all over the world. The reader will be released in March 2017.

Additionally our crossbeam activities help to inform the Queer City initiative and vice versa. These activities include hosting a Haitian photojournalist to document the growing Haitian diaspora community in Brasil; hosting Zimbabwean artist, Lucia Nhamo who received the Bamako Encounters jury prize (awarded to a female artist whose work broadens and/or challenges perspectives on contemporary African migrations) of a two-month residency to look at older and newer African migrations in Salvador and São Paulo, respectively; hosting Edgar Calel, an indigenous (Mayan) Guatemalan artist in collaboration with Lastro Arte and the Cultural Center at São João Occupation.