Caminhada “A Revolta do Arco-íris”

texto Claudio Bueno e João Simões
fotos Carol Godefroid

“Hamba Kahle Mkhonto
Mkhonto
Mkhonto we Sizwe
Hamba Kahle Mkhonto
Mkhonto
Mkhonto we Sizwe”1



Como parte da oficina “A Revolta do Arco-íris2, liderada pelo grupo sul-africano Umlilo & Stash Crew, caminhamos por ruas do centro da cidade de São Paulo, até o Cemitério da Consolação, onde encontra-se o jazigo de Andréa de Mayo, ativista dos direitos de travestis e transexuais. Morta em 2000 por complicações posteriores a uma cirurgia para retirada de silicone industrial de seu corpo, a ativista foi impedida de ser sepultada no mesmo jazigo de sua família, sendo então acolhida em outro espaço, cedido pelo amigo e guia espiritual Walter Alegrio – ou Pai Walter de Logun Edé. Até 2016, somente seu nome de registro constava em sua lápide, quando, por iniciativa do Serviço Funerário do Município de São Paulo, houve a retificação e o acréscimo da placa doado pelo professor e arquiteto Renato Cymbalista, que passou a apresentar seu nome social3.

 

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Se nas últimas décadas, Andréa lutou para que as populações LGBTQ+ tivessem seus direitos garantidos, assim como o direito de não terem seus corpos violados, é notória a necessidade de continuidade dessa luta – haja vista a estranheza e os comentários agressivos ouvidos por esse grupo durante o trajeto.

Essas pessoas, maquiadas, travestidas, estranhas, afeminadas, masculinizadas, não-binárias, queers, pretas, brancas, amarelas, enviadecidas, sapatões etc, andaram juntas pelas ruas, a despeito de um sistema que visa normatizar a conduta de corpos em todas as esferas sociais. Mas caminharam também, em respeito e celebração a pessoas como Andréa de Mayo, que participaram ativamente da abertura, fortalecimento e multiplicação desses modos de existir outros. Num país recordista em assassinatos e violência de LGBTs, ainda é preciso lembrar e cantar por pessoas como Andréa, bem como por todxs xs travestis e transexuais brasileirxs e do mundo.

 

Umzabalazo!

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notas

1 Tradução livre para Hamba Kahle Mkhonto we Sizwe: em Inglês: Go well Spear of the Nation. Em Português: Siga bem, Lança da Nação. Essa foi a música cantada no funeral de Nelson Mandela, e se refere a um cântico de luta em homenagem ao grupo Spear of the Nation, movimento sul-africano formado em 1961 e que lutou contra o regime do Apartheid no país até no ano de 1990. O grupo cantou essa música durante a homenagem para Andréa de Mayo.

2 A Revolta do Arco-íris: Oficina que aconteceu entre os dias 1 e 5 de maio de 2017, no Sesc Santana, em São Paulo, com curadoria da plataforma Explode!, liderada por Cláudio Bueno e João Simões. Essa caminhada, que aconteceu no dia 2 de maio, contou com o apoio da plataforma Lanchonete.org, liderada por Raphael Daibert e Todd Lester. O grupo saiu do Teatro Cemitério de Automóveis, parou no Conjunto Santos Dumont (conhecido também como Treme Treme do Bixiga, na rua Paim), e seguiu até o Cemitério da Consolação.

3 Sobre a retificação do nome e outras ações em torno da lápide de Andrea de Mayo, leia também: “A vez de Andrea, Sobre o direito de morrer como travesti”, por Armando Antenore, na revista Piauí: <http://piaui.folha.uol.com.br/materia/vez-de-andrea/> e “Ossanha de Mayo”, ato performativo realizado pelo Coletivo Viadas, em 2016, disponível no portal Democratize:  <http://democratizemidia.com.br/16-anos-apos-seu-falecimento-transexual-recebe-placa-com-nome-social-em-seu-tumulo>.

 

Acronymia em São Paulo

projeto da residência de Jean François-Prost

texto Raphael Daibert

“Esses novos acrônimos serão em defesa das causas marginais, de atitudes de vidas urbanas alternativas. A ideia é que reflitam a precariedade ou a ausência de alguma particularidade nos espaços públicos, subvertendo uma marca ou sigla de uma empresa lucrativa (como KFC, CVC etc). É criar um espaço de novas siglas e acrônimos que defendam diferentes direitos na cidade”. Assim Jean-François Prost, artista canadense proveniente do Québec começa a explicar seu processo de pesquisa em São Paulo, durante uma residência de três meses em 2016 com a plataforma Lanchonete.org, dentro do programa Cidade Queer.

Seu projeto intitulado Acronymia tomou forma anteriormente na Bienal de Liverpool, em 2006. Por meio de diversos eventos, em diversos locais e com um público variado em cada um deles, uma versão do projeto artístico se realizou em São Paulo durante os meses do artista na cidade.

IMG_6790fotos Jean-François Prost, modelos Lua Lucas

Com o intuito de explorar uma linguagem além da comercial normalmente utilizada quando são empregadas as siglas, esses novos acrônimos não convencionais foram criados a partir de diversos encontros com diferentes artistas e pessoas do meio da arquitetura, da antropologia, geografia urbana, performance etc. Em parceria com o projeto desenvolvido no Ponto Aurora, intitulado Laboratório Gráfico Desviante, certas “acronímias” indecifráveis foram tomando forma progressivamente, trazendo consigo algum significado relacionado ao espaço público, às relações das pessoas com a cidade.

Jean-François Prost, em colaboração com outros parceiros como o Festival Cocidade ou o projeto Zona da Mata(hyperlink) confeccionou camisetas – uma vez no quintal do Goethe-Institut São Paulo e outra em um domingo no Minhocão – nas quais as “acronímias” foram impressas para que fossem performadas pela cidade por quem as usasse. A ideia de levar essas siglas desconhecidas, como a TSO (Trans Sem Oportunidade) ou GGG (Gays Gentrificam Gays), pelas ruas é que se crie um diálogo entre desconhecidos pela curiosidade de entender o que aquilo significa. “Por defender uma pluralidade urbana na qual pontos de vista minoritários devem ser trazidos à tona é o motivo de termos impresso coletivamente estes símbolos em camisetas”, defende o artista.